A presença da Psicologia no Desporto ainda é algo desconhecido, sobretudo pelos adeptos, mesmo que as equipas principais dos clubes de topo em Portugal já terem psicólogos há quase vinte anos.
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PSICOLOGIA NO DESPORTO: O PROCESSO
Essa presença passou depois para a formação e mais recentemente nas modalidades. Nos últimos anos, temos visto uma tentativa dos clubes de média dimensão a ter algum contacto com este tipo de serviço, mesmo que seja pontualmente.
É um caminho demorado mas sem retrocesso por parte dos dirigentes desportivos. É verdade que estamos atrasados décadas em relação a alguns países, mas mais vale tarde do que nunca.
E porque há a necessidade de ter um profissional (e já explicarei a diferença com outras pessoas que possam intervir nesta área) da Psicologia do Desporto?
No início do treino mais a sério no futebol, começou por se treinar o físico. Era o primado da força e da resistência, em que quem aguentasse mais tempo a correr era um dos testes mais usados. Seguiu-se uma fase em que a técnica foi privilegiada.
Os clubes e seleções mais dotados tecnicamente faziam face à força bruta e os craques passaram os génios dos dribles e dos remates prodigiosos. Uma terceira fase, que teve início nos anos 70, trouxe à luz as inovações táticas.
Depois do treinador-preparador físico e o treinador da técnica (sendo que o futebol de rua era uma ótima pré-escola dos craques), surgiam agora os treinadores-génios da táticas.
E a verdade é que as últimas décadas trouxe vários técnicos que inovaram nos modelos e dinâmicas das equipas, desde Rinus Michels a Klopp.
E no início deste século, o futebol seguiu o exemplo de outras modalidades (sim, porque os dirigentes e treinadores das modalidades amadoras perceberam muito antes que estes aspetos eram fundamentais), e começou a olhar para a parte mental dos atletas e do jogo.
ASPETOS MENTAIS
Façam um exercício: nas entrevistas de final dos jogos, quantas vezes ouvem colocar nos aspetos mentais (como motivação, concentração, resiliência) e em outros aspetos físicos (preparação física), técnicos (falta de técnica de um jogador) ou táticos (erros de posicionamento ou estratégia)?
Irão reparar que as questões psicológicas são muitas vezes referidas mas nunca havia trabalho específico realizado nesta área. E é aqui que surge a Psicologia.
É verdade que há muitos treinadores que acreditam (e uma minoria até pode ter sucesso) conseguir trabalhar “o psicológico” dos jogadores.
E pior ainda, há profissionais de outras áreas que acreditam que tudo se resolve com “mental coaching” e “palestras motivacionais”. Não acontece!
Basta que um psicólogo fale cinco minutos com estas pessoas para dizerem “Ah, mas nesses casos tem de ser um profissional!”. Ou seja, são competentes mas é quando corre bem.
Quando há problemas, chama-se os bombeiros. Não é à toa que estudamos cinco anos, que fazemos dois estágios em contexto de desempenho. Não é à toa que há mais de duzentos construtos sobre a Psicologia no Desporto. Isto é Ciência, não vai lá com palestras e bruxaria.
Nos próximos artigos irei falar sobre algumas das questões que trabalho com atletas, equipas e treinadores, com alguns exemplos práticos.
INFLUÊNCIA DO DESEMPENHO
O meu objetivo é que percebam a importância destes aspetos e o quanto influenciam o desempenho dos intervenientes. Mas antes de entrar na teoria, falo do tipo de intervenção da minha prática no Desporto.
Já exerci em contexto de clube, ou seja, estando presente em todos os treinos e todos os jogos da equipa. E devo dizer que é extenuante. Bem sei que muitas vezes só tinha de estar no clube de manhã e sessões individuais à tarde, mas também tivemos um mês em que só por um dia não houve trabalho.
Ou seja, 29 dias seguidos a ver as mesmas caras. Semana, fim de semana, feriados. Tudo passa a ser igual. Foram duas épocas assim. Duas épocas de sucesso desportivo e pessoal, porque me permitiu conhecer um clube por dentro e o outro lado do futebol.
Aquele que os adeptos não veem. Mudou muita coisa na minha perceção. Para melhor e para pior. Tal como na vida, é uma questão de pessoas. E no futebol temos as melhores e as piores.
Uma segunda forma de intervenção é quando nos pedem uma avaliação e/ou intervenção pontual com uma equipa. No meu caso, foi com uma seleção nacional. A avaliação de todos os atletas (através de entrevista) e treinadores.
Perceber o que pode haver de menos bom e o que pode ser potenciado individualmente e coletivamente. Mais uma vez tive a sorte de conhecer pessoas maravilhosas e pessoas que estão a mais no desporto.
Felizmente os resultados foram os desejados. Ao contrário de certos vendedores, nunca me ponho em bicos de pés a dizer que foi por minha causa. Costumo dizer que no máximo tive 1% da responsabilidade.
Pode ser importante mas não é a maior percentagem. Daí que nem nomeie as equipas. Nunca gostei de medalhas. Nem quando jogava. Estão num caixote em casa dos pais. Importa-me mais ter as camisolas com as assinaturas de todos aqueles com quem convivi.
ATUAÇÃO EXTERNA
Por fim, outra forma de trabalhar é externa ao clube. É quando os atletas me procuram individualmente porque sentem que não tem esse apoio no clube. Até porque como já referi só agora começam a existir mais psicólogos nos clubes.
E neste caso, já tive atletas de futebol, voleibol, atletismo e até crossfit. Ou seja, desportos coletivos e desportos individuais.
E as questões são muitas vezes as mesmas. São vistas como problemas mas são insuficiências na forma como lidar com certos obstáculos e desafios. Por vezes, trata-se apenas de dotar os atletas com ferramentas e técnicas para que sejam melhores no dia a dia.
Para que possam prevenir antes de surgirem problemas. Esse é o melhor tipo de trabalho. Trabalhar no positivo, na melhoria, na potenciação.
É óbvio que nem tudo são rosas e já encontrei a parte má de ser psicólogo no desporto.
Tive um dirigente que me pediu um relatório forjado sobre um jogador para o mandar embora com justa causa, tive um treinador que queria que eu quebrasse o código de sigilo e confidencialidade que tenho com os jogadores e tive jogadores que se lembram muito do psicólogo quando estão mal mas que abandonam o acompanhamento mal se sentem melhor (melhor não quer dizer que estejam completamente bem).
São os espinhos de um trabalho que é feito na sombra e nada valorizado por adeptos ou meios de comunicação social. Pode ser que agora se comece a falar um pouco mais. Para isso também servem estes artigos.
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Tema cada vez mais interessante! Os meus parabéns pelo artigo!
Uma vez mais, muito bom. De facto um tema apaixonante mas tão pouco mencionado. Isto daria para tantas perguntas. Obrigado. Um abraço
Manda! 🙂