Visualização mental! É este um dos construtos mais estudados e trabalhados com atletas, músicos, cirurgiões. Porque há muitas áreas de desempenho que dependem de execuções motoras. Mas antes desse comportamento motor, há uma cognição e/ou uma emoção.
Índice de Conteúdos:
- Importância de ver antes de executar
- Razões que se complementam
- Execução
- Por que não usar sempre?
- Conclusão
VISUALIZAÇÃO MENTAL:A IMPORTÂNCIA DE VER ANTES DE EXECUTAR
Para fugirmos um pouco ao futebol, pensem em bilhar ou snooker. O atleta tem de imaginar (ou visualizar mentalmente) as trajetórias, as carambolas e a força das tacadas.
Só depois de testar tudo isto na sua cabeça é que passa para o movimento mecânico das mãos e do taco. Tudo pode ser transposto para os outros desportos e para outras áreas de desempenho (como tocar um instrumento ou fazer uma cirurgia).
Ou até em algo tão quotidiano como cozinhar. A maior parte dos pratos que cozinhamos estão prontos na nossa cabeça e só depois na realidade.
Mas voltando ao desporto, os gestos técnicos como um remate, um drible, um passe, são movimentos mecânicos que precisam ser visualizados e depois treinados ao máximo para que possam ser desempenhados em competição.
É a associação entre a memória procedimental (um dos tipos de memória do ser humano) e a memória muscular. Na nossa cabeça tudo corre bem. Aliás, em treino, apenas devemos imaginar o gesto bem executado.
RAZÕES QUE SE COMPLEMENTAM
Por duas razões que se complementam: primeiramente, para criar ligações neuronais corretas do movimento; e em segundo lugar, porque visualizar o erro é estar a introduzir entropia e dúvida na execução.
Da mesma forma, esta ferramenta é fundamental na recuperação pós-lesão e reinício da prática desportiva. Sobretudo nas lesões graves ou muito graves, que implicam não poder treinar fisicamente.
Vários estudos mostram que é possível e até aconselhável que os atletas trabalhem a visualização mental antes de voltar ao campo.
E isto deve ser feito num trabalho conjunto entre atleta, fisioterapeuta, psicólogo e treinador. Isto era idealmente. Infelizmente o mundo do futebol tem muito pouca paciência para com os atletas lesionados.
Mas voltemos então a essa técnica que é a visualização mental. Como se pode trabalhar? Desde logo desconstruindo ao detalhe o gesto ou jogada a serem treinados.
Qualquer gesto mecânico que aprendemos (desde gatinhar, andar, correr, driblar, rematar, etc.) necessitou de ser executado em pequenos passos.
Aprender a andar de bicicleta implicou equilibrar em cima de duas rodas, depois andar um metro, depois dois, e só depois andar em frente, curvar e até “sacar cavalinho”. E todos estes pequenos detalhes existem primeiro na nossa cabeça.
EXECUÇÃO
Já que estamos no desporto com rodas, refiro-vos o melhor exemplo que já vi de um atleta a descrever a sua execução. Há uns anos, num documentário sobre Airton Senna, que se encontra facilmente na net, mostrava-se uma imagem do piloto brasileiro de olhos fechados a fazer o circuito.
Pernas semi-esticadas, mãos em posição de segurar o volante imaginário, cabeça que acompanha as curvas do circuito. Não havia pista ou carro em nenhum lado a não ser na cabeça dele.
Ele relata ao milésimo onde acelerar, onde travar, qual e quando meter a mudança, qual a trajetória certa, etc. Num jogo de edição de imagem é colocada uma volta real naquele circuito. E o que sucede? Tudo corresponde à realidade.
Da mesma forma, quando há uns anos o mundo se espantou muito por Michael Phelps ter perdido os óculos logo no primeiro mergulho, e ter cumprido a prova toda “de olhos fechados”. Ele não precisava nem dos óculos nem dos olhos.
Ele, como todos os nadadores de elite, fazem a prova várias vezes na sua cabeça, antes sequer de entrar na água.
Depois de entrar é só a memória muscular. Não foi um acto de magia ou qualquer coisa de incrível. Phelps tem muita coisa de extraordinário, mas neste caso específico apenas trabalhou a visualização mental do gesto e da prova.
Como todos os atletas de alta competição devem fazer. E como qualquer um de nós faz isso no seu dia a dia. Pensem no simples acto de escrever.
Antes da caneta usar a tinta para colocar a palavra no papel, a palavra está escrita na nossa cabeça. Ainda que sejam milésimos de segundo, a palavra está escrita antes.
POR QUE NÃO USAR SEMPRE?
Mas então se é uma ferramenta tão útil e utilizada em alta competição, porque não é usada sempre?
Porque é aborrecido, cansativo, repetitivo. Dizer a um atleta que tem de de treinar um movimento ou jogada, vezes sem conta, sem sair do lugar ou sem estar em contacto com o terreno ou bola, pode ser complicado.
Mas a verdade é que os melhores de sempre, fizeram-no milhares de vezes. Deitados na cama antes de adormecer, sentados no autocarro, etc.
Aliás, há uns anos, um colega estava a fazer uma avaliação neurológica a um atleta no estádio, com elétrodos ligados à cabeça. De repente, todos os indicadores dispararam de excitação.
O meu colega perguntou se tinha acontecido alguma coisa. Muito simplesmente, o jogador tinha olhado para o relvado e tinha-se imaginado a marcar um golo ali. Ou seja, a mera visualização mental ativou fisiologicamente o cérebro do atleta.
E naquele momento ele estava mais preparado para a aprendizagem. O problema é que nem sempre há um estádio ou relvado para ativar a mente.
Claro que o meu colega percebeu também que há certas avaliações que não podem ser feitas em certos locais, porque podem funcionar como variável parasita a uma avaliação que se quer neutra.
Por outro lado, deixou-o a pensar como tentar estudar outro tipo de dados, ligados à ativação através da visualização mental.
CONCLUSÃO
Em conclusão, com as instruções guiadas de um psicólogo, fisioterapeuta e treinador, a visualização mental é uma ferramenta poderosa de treino e reforço cognitivo do atleta.
A partir do momento que se treine a parte cognitiva das respostas comportamentais, está também a treinar-se a parte emocional de como reagir a essas situações.
Deverá então ser incentivado e ensinado de forma correta (porque não basta imaginar de forma aleatória), para que o atleta consiga treinar, mesmo quando não está em campo ou pista.
Claro que me podem dizer que não é fácil fazer esse treino com todos os atletas de uma equipa. Mas por isso é que deve ser ensinado o treino autónomo, sendo que depois só são precisos ajustamentos.